sábado, 18 de setembro de 2010
maracanazo 1950 - final infeliz...história da copa.
Maracanazo 1950: A surpreendente confissão de culpa e pena do algoz uruguaio
Mais de 25 anos depois, em 1975, Obdulio Varela - o invicto capitão da seleção uruguaia - deu-me um depoimento surpreendente... ... E nos abraçamos como se estivéssemos em 1950 no Maracanã, não em Montevideu, um quarto de século depois...
A Copa,
por Flávio Tavares*
Acima da euforia das vitórias e superando a dor da derrota, a febre da Copa do Mundo se propaga como epidemia patriótica e chega às entranhas de cada um de nós. Tudo vai além do futebol, perpassa a vida familiar e se instala no cotidiano político-social.
A derrota na Copa de 1950, no Maracanã, por exemplo, foi tão trágica, que muitos se indagam se não abriu caminho às sucessivas crises político-militares que desembocaram no suicídio de Getúlio Vargas, quatro anos depois. A frustração pela expectativa da “coisa certa e merecida” impregnou a psicologia social e exacerbou os conflitos, debilitando o convívio humano e ampliando a confrontação política. Nem sequer as vitórias seguintes apagaram o dramático 1950.
Mais de 25 anos depois, em 1975, Obdulio Varela – o invicto capitão da seleção uruguaia – deu-me em Montevidéu um depoimento surpreendente sobre a vitória que ele comandara: “Após a partida, tomei um bonde para conhecer o Rio e já ali, antes de chegar a Copacabana, todos choravam, desconhecidos se abraçavam em pêsames e em silêncio, um confortando ao outro”, contou.
Negro e alto, sem a camiseta uruguaia, vestido como o povo, Obdulio confundia-se com os brasileiros: “No início, tive medo. Ao ver que não me reconheciam, senti pena. Tanta pena, que, se pudesse, entregava àquele pessoal a Copa recebida no Maracanã”.
Esse homem que passou à história da Copa como um gigante, em vez de vitorioso sentiu-se culpado: “Senti culpa pela vitória, culpa por ter roubado a alegria do povo que eu via na rua”. Ao contar o que me contava, os olhos daquele homenzarrão lacrimejavam e nos abraçamos como se estivéssemos em julho de 1950 no Maracanã, não em Montevidéu um quarto de século depois. E como se aquele 2 a 1 fosse um equívoco da História, não um resultado do futebol.
Em 1970, assisti no estádio Asteca, na Cidade do México, ao triunfo do Brasil no tricampeonato. Eu escrevia para a agência noticiosa italiana Ansa e um velho jornalista do Paese Sera, de Roma, (ao presenciar o eufórico abraço que trocamos João Saldanha e eu) nos advertiu: “Cuidem-se. Em 1938, Mussolini usou a conquista da Copa para fortalecer o fascismo que nos levou ao abismo”.
Nos dias e anos seguintes, no Brasil, em plena ditadura, a euforia criou os falsos tempos do “ninguém segura este país”. O lema surgiu da frase do general Emílio Medici no jogo final, quando o Brasil passou à frente da Itália, que fizera o primeiro gol: “Ninguém segura o Brasil”, exclamou o ditador, desde cadete exímio conhecedor de futebol.
Que essas duas situações sirvam de exemplo. Euforia e dor são sensações opostas, mas não podem dirigir nossas vidas quando surgem de um resultado de Copa do Mundo.
O futebol pode já não ser apenas uma disputa de entretenimento para transformar-se em crença universal, quase uma “Weltannschaug”, visão de mundo. Mas, se assim for, o que sobrará (como tristeza ou alegria) para as coisas inatas e perenes da vida – amor, solidariedade e trabalho?
Que a desolação de agora seja advertência à nossa fantasia de criar deuses.
*Jornalista e escritor
Mais de 25 anos depois, em 1975, Obdulio Varela - o invicto capitão da seleção uruguaia - deu-me um depoimento surpreendente... ... E nos abraçamos como se estivéssemos em 1950 no Maracanã, não em Montevideu, um quarto de século depois...
A Copa,
por Flávio Tavares*
Acima da euforia das vitórias e superando a dor da derrota, a febre da Copa do Mundo se propaga como epidemia patriótica e chega às entranhas de cada um de nós. Tudo vai além do futebol, perpassa a vida familiar e se instala no cotidiano político-social.
A derrota na Copa de 1950, no Maracanã, por exemplo, foi tão trágica, que muitos se indagam se não abriu caminho às sucessivas crises político-militares que desembocaram no suicídio de Getúlio Vargas, quatro anos depois. A frustração pela expectativa da “coisa certa e merecida” impregnou a psicologia social e exacerbou os conflitos, debilitando o convívio humano e ampliando a confrontação política. Nem sequer as vitórias seguintes apagaram o dramático 1950.
Mais de 25 anos depois, em 1975, Obdulio Varela – o invicto capitão da seleção uruguaia – deu-me em Montevidéu um depoimento surpreendente sobre a vitória que ele comandara: “Após a partida, tomei um bonde para conhecer o Rio e já ali, antes de chegar a Copacabana, todos choravam, desconhecidos se abraçavam em pêsames e em silêncio, um confortando ao outro”, contou.
Negro e alto, sem a camiseta uruguaia, vestido como o povo, Obdulio confundia-se com os brasileiros: “No início, tive medo. Ao ver que não me reconheciam, senti pena. Tanta pena, que, se pudesse, entregava àquele pessoal a Copa recebida no Maracanã”.
Esse homem que passou à história da Copa como um gigante, em vez de vitorioso sentiu-se culpado: “Senti culpa pela vitória, culpa por ter roubado a alegria do povo que eu via na rua”. Ao contar o que me contava, os olhos daquele homenzarrão lacrimejavam e nos abraçamos como se estivéssemos em julho de 1950 no Maracanã, não em Montevidéu um quarto de século depois. E como se aquele 2 a 1 fosse um equívoco da História, não um resultado do futebol.
Em 1970, assisti no estádio Asteca, na Cidade do México, ao triunfo do Brasil no tricampeonato. Eu escrevia para a agência noticiosa italiana Ansa e um velho jornalista do Paese Sera, de Roma, (ao presenciar o eufórico abraço que trocamos João Saldanha e eu) nos advertiu: “Cuidem-se. Em 1938, Mussolini usou a conquista da Copa para fortalecer o fascismo que nos levou ao abismo”.
Nos dias e anos seguintes, no Brasil, em plena ditadura, a euforia criou os falsos tempos do “ninguém segura este país”. O lema surgiu da frase do general Emílio Medici no jogo final, quando o Brasil passou à frente da Itália, que fizera o primeiro gol: “Ninguém segura o Brasil”, exclamou o ditador, desde cadete exímio conhecedor de futebol.
Que essas duas situações sirvam de exemplo. Euforia e dor são sensações opostas, mas não podem dirigir nossas vidas quando surgem de um resultado de Copa do Mundo.
O futebol pode já não ser apenas uma disputa de entretenimento para transformar-se em crença universal, quase uma “Weltannschaug”, visão de mundo. Mas, se assim for, o que sobrará (como tristeza ou alegria) para as coisas inatas e perenes da vida – amor, solidariedade e trabalho?
Que a desolação de agora seja advertência à nossa fantasia de criar deuses.
*Jornalista e escritor
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário